quinta-feira, 15 de julho de 2010

O FUTURO DE UMA ILUSÃO
Em o futuro de uma ilusão, Freud toma como modelo o cristianismo tal como é praticado no Ocidente, e considera que a religião é fundamentada na necessidade de ilusão que habita o ser humano, que tenta se proteger dos perigos da existência. Ele reafirma que a religião é “neurose obsessiva universal da humanidade”. Nessa obra ele dialoga com um interlocutor imaginário, em que se reconhece seu amigo e correspondente suíço o pastor Oskar Pfister, a quem ele declara sua fé inquebrantável na ciência.Este amigo é envolvido por Ferud não apenas como pastor em O futuro de uma ilusão, mas também como psicanalista não-médico.
Em um futuro de uma ilusão, Freud dedica os dois primeiros capítulos a demonstrar a necessidade para a civilização de recorrer a altos valores morais afim de se proteger das tendências destrutivas provenientes dos indivíduos que as compõe. Entre estes valores morais ele engloba valores de ordem psicológica, os ideais culturais, a arte, assim como as idéias religiosas. Diz também que as criações humanas são facilmente destruídas, e a ciência e a tecnologia que as construíram, também pode ser utilizada para sua aniquilação.
Segundo Freud, as idéias religiosas, no sentido mais amplo do termo, constituem o valor moral mais importante para a manutenção da civilização. Ele nos sugere imaginar o caos que se seguiria caso se suprimissem todas as proibições instintivas e se permitisse aos homens voltar ao estado natural. Assim, as idéias religiosas teriam surgido da necessidade de tornar suportável o desamparo humano em face dos perigos da natureza e do destino e em face dos danos causados pela sociedade humana, as idéias religiosas são ensinamentos e afirmações sobre fatos e condições da realidade externa ou interna que nos dizem algo que não descobrimos por nós mesmos e que reivindicam nossa crença. Visto que, nos fornecem informações sobre o que é mais importante e interessante para nós na vida. Todo ensinamento exige uma crença em seu conteúdo, mas não sem produzir fundamentos para sua reivindicação. Esses ensinamentos são apresentados como o resultado resumindo de um processo mais externo de pensamento, baseado na observação e, decerto, também em inferências.
Ainda, segundo Freud, as idéias religiosas embora tão importantes para o nosso patrimônio cultural são fundadas paradoxalmente em provas poucos sólidas; não se poderia considerar como prova válida o fato de que nossos ancestrais já acreditavam nisso ou de que as provas datam de tempos primitivos. Sabemos aproximadamente em que períodos, e por que tipo de homens, as doutrinas religiosas foram criadas. Se, ademais, descobrirmos os motivos que conduziram a isso, nossa atitude para com o problema da religião experimentará um acentuado deslocamento. Dir-nos-emos que seria muito bom se existisse um Deus que tivesse criado o mundo, uma Providência benevolente, uma ordem moral no universo e uma vida posterior, constitui, porém, fatos bastante notáveis que tudo seja exatamente como estamos fadados a desejar que seja. E seria mais notável se nossos lamentáveis ignorantes e espezinhados ancestrais tivessem conseguido solucionar todos esses difíceis enigmas do universo.
Freud afirma que as idéias religiosas são ilusões, isto é, que elas constituem a realização dos mais fortes desejos da humanidade. Desejos estes, que se baseiam no desamparo infantil e na angústia em face dos perigos da existência que encontram um consolo nas idéias de que reinam uma Providência, uma justiça e uma vida após a morte. Tudo isso, são ilusões, realizações dos mais antigos, fortes e prementes desejos da humanidade. Para não chocar seu interlocutor e seus leitores, Freud esclarece e distingue uma ilusão de um erro, acrescenta ainda que, a religião sem dúvida contribuiu enormemente para manter a civilização durante milênios, contribuiu muito para domar os instintos associais, mas não o suficiente. Dominou a sociedade humana por milhares de anos como já foi citado e teve tempo para demonstrar o que pode alcançar. Se houvesse conseguido tornar feliz a maioria da humanidade, confortá-la, reconciliá-la com a vida, e transformá-la em veículo de civilização, ninguém sonharia em alterar as condições existentes, Porém, em vez disso, o que vemos é, estarrecedoramente um número de pessoas extremamente insatisfeitas e infelizes com a civilização, sentindo-a como um jugo do qual gostariam de se libertar; e que essas pessoas fazem tudo que se acha em seu poder para alterar a civilização , ou então vão tão longe em sua hostilidade contra ela, que nada têm a ver com a civilização ou com uma restrição do instinto.
Hoje, na medida em que a religião tem menos influência sobre os homens, a civilização pode estar ameaçada e essa ameaça não vem certamente de cientistas e de homens cultos, e sim da grande multidão de homens sem cultura e dos insatisfeitos com a civilização.Dessa forma, ou essas massas perigosas terão de ser muito severamente submetidas e com todo cuidado mantidas afastadas de qualquer possibilidade de despertar intelectual, ou então o relacionamento entre civilização e religião terá de sofrer uma revisão fundamental.
As idéias religiosas não são apenas realizações de desejos, segundo Freud, são também reminiscências históricas relacionadas com o pai da horda primitiva, deificado após sua morte. Diz também que, a religião seria o equivalente da neurose que se observa durante os primeiros anos de vida e que desaparece ao longo de seu desenvolvimento. Essas neuroses infantis são superespontaneamente no decurso do crescimento, sendo isso especialmente verdadeiro quanto às neuroses obsessivas da infância. O remanescente pode ser eliminado mais tarde ainda, através do tratamento psicanalítico. Por isso, Freud afirma: “que a religião seria a neurose obsessiva universal da humanidade; tal como a neurose obsessiva das crianças, ela surgiu do complexo de Édipo, do relacionamento com o pai”.
Em suma, no capítulo final, em resposta às objeções levantadas por seu interlocutor, Freud começa se defendendo de ser um sonhador e de se deixar levar por suas próprias ilusões. Ao contrário, ele mostra muita esperança na primazia da inteligência e do espírito científico, ainda que esse momento esteja distante. Reitera ainda dizendo: “acreditamos ser possível ao trabalho científico conseguir um certo conhecimento da realidade do mundo, conhecimento através do qual podemos aumentar nosso poder e de acordo com o qual podemos organizar nossa vida. Se essa crença for uma ilusão, então nos encontraremos na mesma posição que você. Mas a ciência, através de seus numerosos e importantes sucessos, já nos deu provas de não ser uma ilusão. Não, nossa ciência não é uma ilusão. Ilusão seria imaginar que aquilo que a ciência não nos pode dar, podemos conseguir em outro lugar”.




GICILEIDE FERREIRA

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